Narradores-trapeiros, anarquivamento e fragmentação em romances de Benedicto Monteiro

Autores

  • Abilio Pachêco de Souza Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

DOI:

https://doi.org/10.53943/ELCV.0222_29-37

Palavras-chave:

Narrador trapeiro, anarquivamento, fragmentação, Benedicto Monteiro

Resumo

Os romances de Benedicto Monteiro Verde vagomundo (1972), O minossauro (1975) e A terceira margem (1983), escritos e publicados sob o contexto da ditadura militar brasileira, empregam em suas composições a técnica da montagem e da fragmentação, comum a outros romances da década de 1970 (Franco, 1998), e aparecem-nos em sua feição desconforme como fractais desconjuntados e como árvores semoventes (Pacheco, 2020). Mobilizando materiais discursivos diversos coletados na sociedade e inserindo-os no romance, o narrador promove uma desordem na lógica do arquivo ocidental, cartesiano, iluminista, age como um catador de lixo, como o trapeiro baudelairiano, para nos colocar frente a um anti-arquivo. Ele coleta e apresenta ao leitor uma coleção aparentemente aleatória de transcrições de rádio, notícias de jornais e de revistas, letras de canções, poemas, relatórios técnicos, depoimentos e outros materiais discursivos. Neste arquivo, analisamos o narrador-trapeiro e o anarquivamento, a anarquia do arquivo que abala o edifício da razão ocidental, na medida em que são coletados das ruínas os resíduos da sociedade para reconstruir um discurso de modo crítico (conforme Seligmann-Silva, 2014). O anarquivamento, como gesto de desordem e fragmentação, realizado pelos narradores, aparece como um princípio estético e correspondente à percepção do choque pelo sujeito frente ao aparelhamento do Estado e à vertigem provocada ante o aparato violento, tecnocrático. Afinal, no contexto em que os romances foram escritos, a medida do bem e do mal e a subjugação da autonomia do sujeito estão sob o domínio de um Estado cuja política é pautada na violência e no controle (Todorov, 2008). A fragmentação e o anarquivamento como formas de dispor a narrativa correspondem ao modo de percepção de si, dos outros e do mundo por este narrador, também desinteiriço, em um contexto e por causa de um contexto violento, adverso, degradante.

 

Referências

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Publicado

29-12-2022